domingo, 9 de novembro de 2008

Crise do Estado Contemporâneo

O objetivo do presente ensaio é analisar a crise que atinge o Estado atual, crise esta que não possui apenas uma faceta, mas várias. São crises que se interpenetram e que, conjugadas, provocam a queda e o questionamento de vários dogmas do pensamento político da modernidade. Assim, através de um método analítico, chegaremos à conclusão que é preciso repensar o fenômeno político da contemporaneidade.
Como primeiro ponto, iremos analisar o elemento que sempre foi usado como conditio sine qua non do Estado Moderno: a soberania. O conceito de soberania surgiu praticamente nos anos 1500, e foi primeiramente teorizada por Jean Bodin, em sua obra Lês Six Livres de la Republique. A soberania traduz a idéia essencial do Estado moderno, ou seja, a monopolização do poder por parte de um rei, onde passa a inexistir a concorrência entre poderes distintos. No momento em que surge, na monarquia absolutista, a soberania é vista como o poder absoluto e perpétuo, sofrendo limitações apenas divinas e naturais.
Desde então, o conceito de soberania passará por várias transformações. Com Rousseau, a soberania passa das mãos do monarca para as mãos do povo. E depois, o Estado, visto como pessoa jurídica, que deterá a titularidade da mesma. Nas tradicionais aulas de Teoria Geral do Estado, vimos que a soberania é o poder juridicamente incontrastável, que possui a capacidade de definir e decidir acerca do conteúdo e aplicação do Direito, impondo-as de forma coercitiva em um determinado território – nos dias atuais, nada mais ilusório.
Nas ultimas décadas é evidente o questionamento do conceito tradicional de soberania. Podemos ver facilmente, para começar a análise crítica, a formação de outros centros de poder, concorrentes com o próprio Estado, que operam nos campos político, econômico, cultural e religioso. Assim, alguns atores sociais passam a desempenhar funções que seriam tradicionalmente públicas. Um exemplo são os sindicatos e as organizações empresariais que patrocinam determinadas atividades e tomam decisões que deveriam ser incluídas no rol de atividades da maquina estatal.
Como segundo ponto, é impossível não lembrar do fenômeno mais debatido pelos intelectuais no século atual: a globalização. Algo que decorre diretamente da globalização e, a meu ver, senão destrói, no mínimo questiona a soberania, é o fenômeno das Organizações Internacionais. Devido a isso, os Estados passam a não ser mais independentes entre si e sem a velha capacidade de autodeterminação. A cooperação jurídica, econômica e social entre os países afeta de maneira frontal a autonomia estatal de cada um.
Ainda dentro do fenômeno da globalização, principalmente a econômica, é transparente também o papel que as multinacionais desempenham. Por serem de demasiada importância para alguns Estados – principalmente os de terceiro mundo -, esses atores econômicos passam a ter capacidade de decisão e influência que muitas vezes fogem ao controle do Estado, que se vê à mercê deles. Surge assim um fenômeno importante mas ainda duvidoso: a supremacia do econômico sobre o político.
E o que dizer, então, das grandes Organizações Internacionais financeiras, tais como o FMI? Nos é bem familiar a influência que esta organização pode ter no planejamento político, econômico e social de um país. O Estado Brasileiro muito perdeu de sua autonomia e governabilidade devido à dependência com o FMI, relação gerada pela nossa grande dívida externa.

Outro elemento que abala a soberania é a questão dos direitos humanos, surgida no pós Segunda Guerra Mundial. A dificuldade na relação direitos humanos x soberania está na própria natureza jurídica daqueles direitos, vistos como direitos universais. Assim, falando em termos mais corretos, a questão frontal à soberania é a internacionalização dos direitos humanos. A concretização dos direitos humanos passa a ser tarefa de todos – de todos os Estados –, um comprometimento com a dignidade comum. É aí então que mora o problema, pois com a criação de Jurisdições Internacionais, os Estados passam a perder sua autodeterminação em prol da eficácia dos Direitos Humanos. Mais um elemento necessário para se repensar o problema da soberania.

II

Partiremos agora para outra crise, a crise de um modelo de Estado, mais propriamente a crise do Estado Social. A faceta mais relevante dessa crise é sem dúvida a crise financeira e econômica deste modelo. O processo de intervenção do Estado na economia e na sociedade civil – que causou um grande crescimento da máquina estatal – não beneficiou apenas as classes trabalhadoras, pois através de atuações em muitos setores, por meio de grandes investimentos, também alavancou o processo da industria. O aumento nos gastos públicos, obviamente causaram um déficit nos cofres. Tudo fruto do processo de ampliação do Estado, atuando em todos os segmentos da sociedade, totalmente contraposto ao Estado-Mínimo dos liberais.
Mas, será possível retornar ao Estado-Mínimo? Os neoliberais acreditam que sim. Aliás, foi essa a idéia do Consenso de Washington, perceptível nos governos Thatcher e Reagan, pretendendo diminuir a ação estatal, principalmente sobre o sistema econômico. Porém, e os últimos acontecimentos mundiais? Esta profunda globalização econômica e a grande ligação entre os sistemas econômicos e financeiros – uma crise num Estado atinge o mundo inteiro – poderia ser combinada com um mercado livre? O que seria da economia hoje sem os pacotes bilionários dos governos mundiais? E a eleição do democrata Obama à Casa Branca? Havíamos dito, e muitos autores também o fazem, que o econômico esta prevalecendo e ditando as regras do jogo político, mas e sobre as esperanças depositadas no governo Barack Obama para resolver a crise mundial? Será que o econômico é tão independente assim do político? Será possível a volta a um Estado que já se mostrou insuficiente, como quer por exemplo Friedrich Hayek, o pai do neoliberalismo? A meu ver o Estado Social já se esgotou, porém um retorno ao Estado de moldes do Liberal parece impossível, e os acontecimentos dos últimos meses nos demonstram isso.

Outra crise inerente ao Estado Social é a crise funcional. Por admitir várias funções, este Estado parece não conseguir desempenhar nenhuma com eficácia. O ampliamento do Estado parece tê-lo tornado uma gigante maquina burocrática que não anda devido a entraves formais e materiais. Outro acontecimento paralelo é o crescimento da demanda da sociedade civil, o que obsta ainda mais as funções do poder. Quais as conseqüências? A falta de governabilidade do Estado, pois passa a não conseguir finalidades puramente públicas e assim a sociedade é que passa ela mesma a se apoderar de tais finalidades – basta observar o fenômeno das privatizações. Outra conseqüência, é sem dúvida o déficit de legitimidade do Poder Político,
A representação política também não escapa da crise do Estado Social. Os órgão representativos do Estado, principalmente o Parlamento passa a perder legitimidade por não responder às necessidades do povo, se movendo muitas vezes por interesses econômicos e não políticos. As conseqüências sobre a democracia são graves: a apatia política, pois para os indivíduos todos os atores políticos se tornam “farinha do mesmo saco” e a sociedade não deposita sua confiança nos governantes. Surgem também, os grupos de pressão, que por influência pretendem ver atendidos seus interesses particulares através do lobby sobre os representantes.
Isso sem falar no controle que tem o poder e a mídia sobre a opinião pública, direcionando-a como bem entender. Diante de tudo isso se pergunta: onde está o bem comum? Parece ser mais um dogma do Estado Moderno que não caracteriza mais o Poder Político. Nosso grande professor Celso Campilongo, devido a tudo isso, a crise da representação política, afirma que parece haver um gap entre o sistema político e o sistema social. Sistema social este cada vez mais complexo e mais difícil de atender.

III

O Direito também é profundamente abalado por essas novas realidades. Sua racionalidade vinda do Estado Liberal se mostra muitas vezes incapaz de cumprir sua funções tradicionais, tais como controle e promoção da sociedade. Passa a transferir cada vez mais para a sociedade a capacidade de impor suas próprias regras do jogo. E caem também, muitos paradigmas do Direito, paradigmas que até hoje são os ensinados nas Faculdades de Direito.
Assim, é preciso repensar o Estado Contemporâneo. Repensar e refletir em um modo de atender à sociedade do modo que o Estado deve atender, para que não perca sua justificativa de obediência e não passe a ser apenas um elemento do todo social. O Estado sempre foi a instituição mais importante e necessária para uma sociedade que caminha para a igualdade e a liberdade. O velho lema Justiça e Liberdade nunca poderá ser alcançado sem ele e este é um dogma que a meu ver nuncá será derrubado

Um comentário:

  1. Bravo querido amigo! É com grande satisfação que leio estes escritos! Parabéns pelas métricas palavras!

    Quanto a matéria, como um Democrata convicto, acredito que o desenvolvimento do povo e o sadio debate de idéias fará um estado melhor. Precisamos nos livrar das ideologias e "sujeitos de conhecimento", denominação que Foucault atribui às formas de dominação.
    Esta é a minha crença. O que vejo? Imprevisão e perpetuação dos poderosos. Lutemos!

    Um grande Abraço.

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